Agência
O Globo
O uso de baixas doses de aspirina — uma das medicações mais
comuns do mundo — pode representar um novo caminho para amenizar os sintomas do
Alzheimer, de acordo com uma nova pesquisa feita com camundongos e publicada no
"Journal of Neuroscience".
Embora a causa exata da progressão da doença de Alzheimer
seja desconhecida, muitos cientistas concordam que um dos principais mecanismos
é a dificuldade de depuração de resíduos no cérebro, especialmente no
hipocampo. A ativação da "máquina" celular responsável pela remoção
desses resíduos, portanto, surgiu como uma estratégia promissora para retardar
a doença. E é aí que entra a aspirina.
Baseando-se em estudos que demostram uma ligação entre a
aspirina e a redução do risco e da prevalência da doença de Alzheimer, os
pesquisadores mostraram que esta medicação estimulou os lisossomos — o
componente das células animais que ajuda a limpar detritos celulares.
Ao aumentar a atividade desses lisossomas usando aspirina,
foi observada a quebra de beta-amilóide, um dos principais marcadores cerebrais
patológicos do Alzheimer. Nessa doença, a beta-amilóide forma aglomerados
tóxicos conhecidos como placas senis. Sem esses aglomerados, os sintomas da
doença não aparecem, ao menos em tese.
O estudo foi conduzido por Kalipada Pahan, do Centro Médico
da Universidade Rush, nos EUA, e animou a comunidade científica por evidenciar
mais um uso da aspirina, além dos já estabelecidos, que são para o alívio da
dor e para o tratamento de doenças cardiovasculares.
COMUNIDADE MÉDICA SE EMPOLGA COM DESCOBERTA
Para a médica Lyndsey Collins-Praino, professora sênior de
Anatomia e Patologia da Escola de Medicina de Adelaide, na Universidade de
Adelaide, na Austrália, o estudo é "emocionante":
— A aspirina é uma das drogas mais comumente usadas no
mundo, e vários estudos anteriores sugeriram que ela pode ser protetora contra
doenças neurodegenerativas, como o Alzheimer. O estudo atual é emocionante
porque investiga um novo mecanismo cerebral pelo qual a aspirina pode gerar
esses efeitos — diz ela, que no entanto pondera que é preciso estudos clínicos
para mostrar de fato a existência de melhorias na função cognitiva de
pacientes. — Embora o estudo seja potencialmente empolgante, é necessário uma
quantidade significativa de evidências experimentais adicionais.
Segundo o professor Bryce Vissel, que é diretor do Centro
de Neurociência e Medicina Regenerativa da Universidade de Tecnologia de
Sydney, também na Austrália, o estudo realizado por Kalipada Pahan e sua equipe
mostra uma nova abordagem para barrar o Alzheimer, que precisa receber mais
investimentos.
— Terapias atuais voltadas para remover a "placa
senil" do cérebro falharam até agora. Portanto, há um grande interesse em
abordagens alternativas para resolver o Alzheimer — afirma o médico. — Estudos
anteriores de grandes populações de pessoas (chamados estudos epidemiológicos)
mostraram que tomar aspirina pode reduzir os riscos do Alzheimer. Este novo
artigo apoia a ideia de que a aspirina pode de fato ajudar no tratamento,
embora haja muito mais trabalho a fazer. O aspecto intrigante deste estudo é
sugerir que a aspirina pode fazer isso de uma maneira muito inovadora, ou seja,
ativando a maquinaria celular responsável pela remoção de resíduos do cérebro.
Isso, presumivelmente, além de suas ações antiinflamatórias, que acreditamos
ser importantes na doença de Alzheimer.
NÃO SAIAM TOMANDO ASPIRINA
Vissel destaca, entretanto, que a noção de que o estudo
pode estar certo não significa que as pessoas que têm alguma pré-disposição ou
que já apresentem a doença devem simplesmente começara a tomar aspirina. O
efeito positivo ainda não está, de fato, comprovado. Nem se sabe qual a dose e
qual a frequência necessária. E mais: existem efeitos colaterais do uso desse
medicamento a longo prozo.
— Uma coisa importante para notar é que o uso de aspirina a
longo prazo tem vários efeitos colaterais, incluindo o afinamento do sangue e o
surgimento de úlceras estomacais. Portanto, as pessoas devem tomar cuidado
antes de tomar aspirina de forma frequente e devem consultar seu médico —
ressalta ele.