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Família de SP com 9 infectados pela covid-19 decide curtir as férias no interior da Bahia


De férias, um grupo de nove pessoas da mesma família saiu de uma cidade da baixada santista, litoral de São Paulo, e entrou num povoado de Ribeira do Pombal, nordeste da Bahia. Seria tranquilo não estivessem todos infectados pelo novo coronavírus. O pessoal utilizou carros particulares como meio de transporte e alegou não ter passado por nenhuma barreira sanitária na Bahia, nem mesmo na cidade onde desembarcaram. “Em Minas Gerais, fomos parados em todas as cidades que passamos. Na Bahia, isso não aconteceu”, disse uma pessoa que fez a viagem e não quis se identificar. Em Ribeira do Pombal, a entrada ao povoado é antes da barreira montada pela prefeitua.   
 Ao chegar na cidade de destino, no último dia 6, a agente de saúde do povoado informou a situação à secretaria de saúde de Ribeira do Pombal, que, no mesmo dia, foi até a residência dos visitantes e fez o cadastro. Um dia depois, uma pessoa da família começou a manifestar dores musculares e, na segunda-feira, uma amostra foi colhida para a realização do teste do tipo RT-PCR, aquele realizado em Salvador pelo Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen). Com a confirmação, todos os outros membros da família foram testados e somente nessa terça-feira (16) saíram os resultados positivos, segundo a secretaria de saúde da cidade.  Essa versão, no entanto, é contestada pela família. “Somente no nosso quarto dia na cidade que a pessoa manifestou sintomas e eles vieram colher o material para o exame”, disseram. 
O quadro de saúde desse familiar piorou e ele precisou ser internado numa unidade de saúde do próprio município. Só ontem houve a alta domiciliar da paciente. As outras oito pessoas seguem isoladas e são assintomáticas. Embora tenham chegado no início de junho, em plena pandemia, o grupo já possui previsão de retorno para São Paulo.“Até o final do mês estamos indo embora. Nós viemos de férias para descansar, como todos os anos costumamos fazer. Temos casa aqui”, explicaram. 
A secretária de saúde da cidade, Lakcelma Costa, explicou que os agentes perguntam o motivo da chegada do paciente. Se é por causa de férias, visita rápida, desemprego ou qualquer outra explicação. “Para a gente, (o motivo) não é tão importante. É mais importante que as pessoas fiquem em isolamento”, afirmou. Lakcelma garantiu ainda que a prefeitura tem monitorado essa família e todos os outros casos de pessoas que chegam de São Paulo na cidade, e que devem ficar em casa independente do motivo da chegada. No entanto, a testagem só é realizada naqueles que manifestam sintomas do coronavírus e seus contactantes, além de feirantes e profissionais da saúde.
A família garantiu que está isolada em casa e que sempre cumpriu todos os regulamentos impostos pelo município. Para se alimentar, eles disseram contar com a ajuda de alguns familiares do próprio povoado que vão até o portão e deixam as compras na calçada. No entanto, o sentimento geral do grupo é de preconceito. “Eles inventam denúncias e dizem que recebemos pessoas dentro de casa. No domingo, fizemos um churrasco para almoçarmos e disseram que tinha 30 pessoas aqui dentro, sendo que não é verdade”, disse a familiar, que classificou as férias vividas como uma “turbulenta jornada”.  
Preconceito
 
O CORREIO não encontrou nenhuma pessoa da cidade que afirmasse que a família em questão tenha descumprido o isolamento. Também não há casos confirmados de pessoas em Pombal que tiveram contato com eles.  Mesmo assim, cidadãos pombalenses dizem que, no geral, há descumprimento do isolamento pelos visitantes de São Paulo. “Uma vez estava na rua e uma pessoa desconhecida me pediu uma informação. Ela usava uma mochila e tinha aquele sotaque bem carregado do interior paulista. Fiquei com medo”, afirmou uma moradora, que preferiu não ser identificada.
 No dia que os oito casos da mesma família se tornaram públicos, a secretaria de saúde confirmou mais três que também vieram de São Paulo e ainda outros três que são do município e que tiveram contato com pessoas de outras cidades. No total, foram 14 casos registrados num só dia, o que elevou o número de infectados de Ribeira do Pombal de 30 para 44. Nessa quarta-feira, outros quatro casos foram confirmados, totalizando 48 infectados – destes pelo menos 14 foram identificados pela reportagem como de pessoas que vieram de São Paulo. “Mas esse número com certeza é maior”, disse a secretária de saúde, que não soube expressar a quantidade exata. O município já tem um óbito decorrente da doença. 
Reeleição 
Para o presidente da União dos Municípios da Bahia (UPB), Eures Ribeiro, que é prefeito de Bom Jesus da Lapa, a situação vivida por Ribeira do Pombal é compartilhada por todos os municípios pequenos da Bahia. “As cidades do interior têm uma curva crescente de casos. Muitos usam a justificativa de sensibilização para permitir a entrada, mas a maioria tem vindo de férias. Essa é a verdade, pois vemos eles fazendo churrasco”, disse.  
Na sua própria cidade, Eures disse que determinou que, há cerca de 20 dias, a Guarda Municipal escoltasse um ônibus clandestino que queria entrar no município e teve que voltar para a cidade de origem.“Recebi muitas críticas por isso, pessoas dizendo que era desumano, mas essa era a alternativa. No meio de uma pandemia, não dá para ficar circulando. É só no Brasil que vemos essa loucura. Nos países civilizados, todo mundo ficou no seu canto e esperou a poeira baixar”, disse. Ainda para o prefeito, a proximidade das eleições é algo que pode atrapalhar os municípios na tomada de decisões mais duras e assertivas. “Eu não estou no processo de reeleição, então sou um privilegiado nesse sentido”, afirmou. 
Fluxo
Natural de Irará, no centro-norte baiano, o pesquisador e professor estadual de Geografia, Engeberto Apulinário, possui uma hipótese que explica o fluxo migratório visto atualmente, depois da pandemia do novo coronavírus: “É a migração de retorno, o fenômeno das pessoas que foram ganhar a vida em São Paulo e, por não conseguirem prosperar na cidade, voltaram. Esse fluxo ocorre desde a década de 1990 e seria acentuado nesse contexto de pandemia”. 
No entanto, o professor afirma que a pesquisa científica leva um tempo e não é possível ainda ter qualquer conclusão. “A gente já percebe que muitas pessoas perderam seu emprego em definitivo, em São Paulo. Mas pode ser que elas tenham a perspectiva de voltar quando a pandemia passar”, disse. 
O secretário de saúde do estado, Fábio Vilas-Boas, disse que o Governo do Estado tentou evitar o transporte interestadual, quando ainda não tínha caso de transmissão comunitária na Bahia. “Colocamos barreiras sanitárias nas rodovias, tentamos bloquear os aeroportos de Salvador, Ilheus e Porto Seguro, mas as liminares judiciais dificultaram nossa atuação”, lembrou
No caso dos transportes intermunicipais, 325 cidades que estão com casos ativos de coronavírus também estão com suas rodoviárias fechadas. Isso significa que 77% dos 417 municípios baianos estão com restrições no transporte, oficialmente.  No entanto, o aumento da circulação de ônibus clandestinos é uma realidade, como admitido pelo próprio secretário Vilas-Boas.  “Isso ainda está acontecendo e temos vários prefeitos lutando contra esse problema”, afirmou. 
O Correio 24h

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